Polêmicas envolvendo a disputa entre os poderes não é novidade no Brasil. O que causa surpresa, constrangimento e preocupação foi o ato de nove senadores, em procissão de “beija mão” realizada pelos senadores Pedro Taques (PDT-MT), Álvaro Dias (PSDB-PR), Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), Pedro Simon (PMDB-RS), Aloysio Nunes (PSDB-SP), Ricardo Ferraço (PMDB-ES), Ruben Figueiró (PSDB-MS) e a senadora Ana Amélia (PP-RS).
Em um momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem ocupado um espaço relevante no cenário político, quando se constata a crescente transferência de poder das instâncias tradicionais, que são o Executivo e o Legislativo, para juízes e tribunais, os senhores senadores acima optam for fechar o debate no Congresso Nacional, submetendo as suas obrigações originárias à decisão individual de um outro poder, como ocorreu com a liminar do ministro Gilmar Mendes que determinou a suspensão do trâmite de uma matéria legislativa.
Admitir, ou pior ainda, endossar que um indivíduo isoladamente impeça atos essenciais e inerentes de um dos poderes da república, usando de um artifício desconhecido da democracia, é reconhecer a completa incapacidade de atuação do nosso legislativo no uso das suas atribuições.
Trata-se da expansão do judiciário não apenas pela inoperância do legislativo, mas, agora nitidamente, pelo endosso feito pelos senadores que entregaram o papel em branco para que um ministro decida sobre os destinos de matérias legislativas.
O ato dos senhores senadores traz a declaração explícita da falência da política, ao transferirem o poder político, que a eles foram outorgados pelo voto, para o Judiciário.
E isso se torna ainda mais claro pela declaração do senador Pedro Taques;
"colocando o Congresso Nacional nos eixos";
ao justificar a proibição do ministro Gilmar Mendes ao trâmite da matéria, o que quer dizer que o Congresso está proibido de debater matéria, independentemente da conclusão destes trabalhos.
Por outro lado, a iniciativa dos senadores citados sugere a disputa de poder por atalhos, por regras mais baixas, ou na própria ilegalidade das decisões arbitrárias como a liminar proferida pelo ministro Gilmar Mendes que admite a inconstitucionalidade de uma lei que não existe, que ainda está em trâmite legal e democrático.
Como o debate mais amplo neste momento trata do equilíbrio entre os poderes, quero afirmar que tal equilíbrio se torna impossível sem a observância do que é preconizado logo no primeiro artigo da Constituição Brasileira, em seu Parágrafo Único, que diz:
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Tal preceito legal é figurativo e a sua consequência é a permanência “ad eternun” do modelo “casa grande e senzala”. Mesmo o grande avanço da nossa Constituição de 1988, chamada “Constituição cidadã”, não avançou na quebra deste paradigma ao não contemplar as reformas estruturais na nossa sociedade.
Se criticamos o Poder Judiciário na sua elitização, mais ainda deveríamos fazer em relação ao nosso Legislativo impulsionado e condicionado, pela necessidade de cobertura das suas caríssimas campanhas, a ser mero atendente dos interesses dos seus financiadores.
Esse é o verdadeiro desequilíbrio da sociedade brasileira, onde a não observação do dispositivo legal mencionado compromete a cidadania, condição chave para o equilíbrio entre poderes, cuja história demonstra que o nosso sistema sempre retirou do cidadão a sua qualidade de sujeitos de direitos, e meros espectadores da vida política do país.
A falta de participação e controle da população nos destinos do país cria a abertura para outras experiências de arranjos participativos e isto está causando profundas perturbações no modo como as decisões são tradicionalmente tomadas no Brasil.
A permanência dos traços característicos da nossa formação favorece o centralismo e o clientelismo observados criando a tensão entre os poderes pela disputa dos espaços que deveriam ser do cidadão, como ente originário dos processos decisórios.As nossas instituições defendem, cada vez mais, interesses muito específicos e setoriais perdendo as suas características originárias de entidades representativas do interesse público, daí a queda de braço insana entre os poderes, e mesmo dentro de cada um deles.
Para concluir, volto a afirmar que o avanço da nossa democracia não se dará sem a quebra do padrão original da nossa formação e isso só será possível com as reformas estruturais urgentes e necessárias que não se dará nem pelo ativismo judicial, nem pelas promessas, sempre travadas, feitas pelo nosso legislativo, já que estes detém o “status quo” e são os maiores representantes e guardiões do nosso conservadorismo.
Sem uma nova Constituinte, com todos os riscos que ela possa trazer, não se avançará na quebra deste paradigma de atraso do nosso desenvolvimento.
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