A discussão acerca do sistema de justiça criminal entra definitivamente na agenda política, repercutida exaustivamente nos meios de comunicação.
O aumento da criminalidade e da violência pode ser explicado pela desagregação do sentido coletivo e familiar da sociedade moderna e pelo impacto da televisão na criação de padrões de consumo que trazem consequências na vida política e sociocultural.
As leis, a Polícia, o Ministério Público, o Judiciário e o sistema carcerário passam a ser cenário de discussão. As acusações de ineficácia proliferam e atingem a todos.
A retórica do debate sobre a punição invoca a figura da vítima tipicamente uma criança, mulher ou idoso, sempre um cidadão correto e íntegro que deve expressar toda a sua angústia e sofrimento e que deve ser absolutamente protegida e ter seus direitos garantidos. A vítima é tomada como uma figura que representa uma experiência comum e coletiva e não uma experiência individual e atípica. A grande mídia dramatiza e reforça a criminalidade, que além de criar o medo como forma de dominação obteve como efeito colateral o aumento das taxas de criminalidade.
Com a insatisfação aumenta a cobrança ao Estado constituindo um complicado e recorrente problema político.
As soluções normalmente apontadas para a diminuição dos crimes se limita a concentrar nos efeitos do crime muito mais do que nas causas. Os resultados são modos mais intensivos e expressivos de policiamento e de punição cujo objetivo é convencer a população de que o Estado ainda mantém sua autoridade.
No calor dos debates muito se tem apontado para quadros comparativos entre os sistemas brasileiro e estrangeiro, deixando de mostrar o mais sugestivo e abrangente que são as formas de controle, onde o Brasil desde a sua formação adota o sistema de controle penal, repressivo, enquanto países europeus preferiram adotar o controle social como forma de prevenir a formação do crime.
Os países que adotam a forma de controle penal encontraram grande respaldo com o aumento da repressão ao crime ocorrido nos EUA a partir da década de 60, onde o Estado aprimora a estratégia de segregação punitiva com a formação de sentenças pesadas e aumento do aprisionamento (encarceramento em massa), restrições à defesa, construção de presídios de segurança máxima, prisão de crianças e adolescentes, punição corporal, inflação do código penal, publicização dos condenados, entre várias outras formas que são instrumentalizadas para advertir, confortar, e ao mesmo tempo controlar a população.
É sempre responsabilidade do Estado o controle da criminalidade e a sua ineficiência é causa do aumento da violência, e não podemos ignorar esta realidade.
Se por um lado o Estado deve agir preventivamente criando condições dignas para a sua população, como um sistema público de ensino de qualidade para todos, moradia digna, entre outras funções sociais, por outro lado deve oferecer as condições igualmente dignas para que o aparato de controle penal funcione a contento.
A deficiência das condições de vida de muitos brasileiros é notória, mas, as condições precárias do nosso controle penal são pouco estudadas.
A ineficiência pode ser apontada logo na abordagem das origens das nossas polícias, onde a militar parece mais preparada para a guerra do que para o controle e repressão, enquanto a polícia civil se mostra ineficiente na sua responsabilidade de investigação do crime pelo modelo original de elucidação de crimes via confissão, ou depoimento de testemunhas, e não raro são observadas situações de violência e chantagem para se buscar a confissão ou a acusação mesmo que leviana.
Essas condições acima deveriam ser a origem de qualquer debate sobre a ineficiência do nosso controle de criminalidade, e tentar deslocar este foco para prometer à sociedade a solução dos problemas via diminuição da maioridade penal, ou, e, pelo outro preferido pelo mainstream do discurso de que nossas penas são brandas.
Resolvendo esses problemas de raiz se partiria para o segundo ponto, igualmente pouco difundido, das precárias condições como a falta de investimentos em contratação, capacitação e remuneração de policiais e peritos, bem como em infraestrutura nas delegacias, o que acarreta não só o despreparo dos policiais como também sobrecarga de procedimentos.
Portanto, o problema da segurança no Brasil passa pelo cumprimento das leis já existentes, pela certeza da sua aplicação e execução, e não pelo aumento da pena. A impunidade se combate com efetividade.
Ocorre que o índice de efetividade da Justiça criminal brasileira é baixíssimo, onde um relatório da Associação Brasileira de Criminalística demonstra que a taxa de elucidação dos inquéritos de homicídio no Brasil varia de 5% a 8% do total de crimes, o que vale dizer que de cada 100 homicídios no Brasil no máximo oito são devidamente apurados, segundo estimativa de Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da pesquisa Mapas da Violência 2011, divulgada pelo Ministério da Justiça.
Enquanto a lei vigente não for aplicada, enquanto não se oferecer condições para a elucidação dos crimes, é ilógico se postular aumento de pena.
O Ministério Público deveria no exercício do seu controle externo da Polícia apontar estas precárias condições para solucionar todos esses crônicos problemas. Mas, preferem reivindicar o aumento de pena!
Essa sensação de impunidade é clara e muito grande e isso estimula o cometimento de novos crimes, daí o aumento assustador deles.
Um terceiro problema está na forma, onde não há integração entre delegados, promotores e a Justiça no andamento dos inquéritos, provocando um excesso de inquéritos devolvidos para novas investigações e muitossão mandados arquivar por irregularidades ou por estarem prescritos, situações que seriam evitadas se o trabalho fosse conjunto.
Finalmente não é desprezível constatarque esse temor alimenta a grande indústria de segurança. Pessoas receosas de serem vítimas de violência adotam precauções e comportamentos defensivos na forma de seguros, carros blindados, sistemas de segurança eletrônicos, cães de guarda, segurança privada, grades e muros altos, alarmes, o aumento de frequência nas catedrais de consumo, os shoppings, e o afastamento dos equipamentos urbanos como praças e parques.
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