“conheça-se e expresse-se”
A palavra ‘Hippie’, – de hip, hipsters, que vem de hep, que quer dizer, estar por dentro, descolado, bacana, – saiu na imprensa pela 1ª vez, no artigo “A New Haven For Beatniks”, em 5 de setembro de 1965, assinado pelo jornalista de San Francisco, CA., Michael Fallon. Nesse artigo ele escreve sobre o “Blue Unicorn”, um coffee house, usando o termo hippie para se referir à nova geração de beatniks que se mudaram de North Beach para Haight-Ashbury, distrito de S. Francisco. Mas tornou-se massificado pela mídia a partir de 1967, depois que o colunista Herb Caen, do “Crônica de S. Francisco”, passou a se referir a hippies, em suas colunas diárias. Segundo Malcolm X, a palavra hippy, que aparece na língua Wolof do oeste africano, tem reminiscências no fim dos anos 40 no Harlem e era usado para descrever um tipo específico de ‘branco’ que age de forma mais ‘negro’ que os negros. Porém, suas raízes remontam aos filósofos gregos Diógenes de Sinopes (e os Cínicos) e Epícuro de Samos.
Diógenes de Sinopes ( 413 a.C. – Sinop, hoje na Turquia), é o maior representante do cinismo. Ele desprezava a opinião pública, e seus únicos bens eram um alforge, um bastão e uma tigela (que simbolizavam o desapego e a auto-suficiência perante o mundo). A felicidade, entendida como auto-domínio e liberdade espiritual, era a verdadeira realização de uma vida. Defendia a liberdade sexual total, a igualdade entre homens e mulheres, a supressão das armas e da moeda, entre outras coisas.
Epícuro de Samos (341 a.C. – Atenas – discípulo de Diógenes), dizia que ser feliz era mais barato do que se pensa. Considerava que a busca da felicidade e do prazer estavam condicionadas ao domínio sobre as emoções e sobre si mesmo, e elegeu 3 questões principais frugais para alcançar a felicidade. 1. Amigos – não apenas tê-los, mas conviver com eles. Comprou uma grande casa, convidou um monte de amigos para morar juntos e assim, foi um precursor da vida em comunidade. 2. Liberdade pessoal – sem dependência de patrões cruéis. Independência em relação ao consumismo, e, 3. Auto-reflexão, encarar as questões que incomodam de frente, analisá-las com sinceridade e resolvê-las. Paradoxalmente, sofria de cálculos renais.
As influências também passam pelas idéias de Jesus Cristo, Buda, São Francisco de Assis, Krishna, Gandhi, Henry David Thoreau (“Walden ou A Vida nos Bosques” e “Desobediência Civil”), Walt Whitman (“As Folhas da Relva”) entre outros. Em 1890, inspirados nas obras de Nietzche, Herman Hesse e Eduard Baltzer, jovens alemães iniciaram um movimento de volta à natureza, abandonando seus status sociais e buscando valores espirituais pagãos que tinham raízes em seus ancestrais. Com a imigração alemã para solo norte americano, décadas depois, surgiu a 1ª loja de produtos naturais, mais saudáveis, no sudoeste da Califórnia, onde puderam praticar um estilo de vida mais alternativo em um clima mais ameno. Jovens americanos influenciados por esse estilo de vida criaram um grupo chamado “Nature Boys” e se fixaram no deserto californiano. Esse movimento tornou-se popular em 1947 quando Nat King Cole gravou uma canção “Nature Boy” *, de autoria de Eden Ahbez (...)
Remanescentes desse grupo, incluindo o famoso Gipsy Boots, foram para o Norte da Califórnia em 1967, bem à época do Verão do Amor, San Francisco. Também o movimento jamaicano Rastafari, propunha volta à natureza e volta às raízes filosóficas africanas. Na década de 50, por causa da imigração em larga escala de jamaicanos para a Inglaterra, influenciou o desenvolvimento do movimento hippie inglês com contatos que permitiam aos jovens brancos comprar cannabis das comunidades negras.
O Verão do Amor, 1967, em S. Francisco, a capital dos hippies, foi um evento que atraiu 200.000 pessoas e um consumo inacreditável de LSD. Allen Guinsberg (“Uivo”), Jack Kerouac, (“Pé na Estrada”), os ‘beats’ novaiorquinos entre outros, que já haviam chegado à S. Francisco na década de 50, criaram um reduto inicialmente em North Beach. Eles foram os precursores dos ‘hippies’, estes, porém, abraçaram o rock como música oficial, o rock que veio da Inglaterra e que re-eletrificou a música norte-americana.
“Se você for a San Francisco, não deixe de colocar flores em seus cabelos”, dizia a canção de John Phillips, dos Mamas & The Papas, cantada por Scott Mackenzie.
Conceitos como paz, amor, liberdade sexual, maconha, LSD, underground e contracultura, começaram a antagonizar aos da Guerra do Vietnã, materialismo, consumismo, individualismo. Emergiam novos e urgentes referenciais. Os hippies eram basicamente contestadores, isso fruto de educação mais liberal, o que estimulava uma maior capacidade de expressão crítica, de se colocar diante de fatos como poluição atmosférica, questão ambiental, racismo, pobreza, o estilo dos pais, o consumismo exagerado. Contra o stablishment, os valores da classe média, armas nucleares (principalmente na Inglaterra), a Guerra do Vietnã (principalmente nos EUA), políticas ortodoxas, Nixon, ultra direita, doutrinação ideológica. A favor do paganismo, religiões e filosofias orientais, liberação sexual, LSD, expansão de consciência, vida em comunidades, paz, amor liberdade pessoal.
Essa era a cena hippie. Basicamente saíram do campo para a cidade e lá, pregavam o contato com a natureza e a volta para o campo, ao mundo caipira, que não gostavam dos hippies. Caipiras gostavam de música country, Willie Nelson (ótimo) ou até de Bob Dylan e Joan Baez. Nos anos 60 o folk foi eletrificado (Byrds, com influência Beatles e Dylan). A cultura hippie era mais comportamental que musical, mas influenciou caipiras, folks, beats, Beatles e outros na Inglaterra e Europa que influenciaram sua contrapartida norte-americana e na fusão de rock, folk, blues e rock psicodélico.
Cabelos e barbas compridos, eram considerados ofensivos para quem não estava associado à contracultura. A língua oficial era o rock. E mesmo sendo o movimento caracterizado pela busca do prazer, não arregavam diante da opressão e das injustiças sociais. A “festa” começou com uma comunidade urbana que se chamava The Family Dog, que organizou o primeiro baile de rock na cidade, em 16 de outubro de 1965, no Longshoreman’s Hall, animados por 4 bandas locais. Depois disso, o point mais quente migrou de North Beach para a área em volta da esquina da Haight com Ashbury, um reduto negro que foi redecorado com cores psicodélicas, artigos orientais, muito incenso (...)
Vida comunitária, amor livre, culto à natureza, religiões orientais, astrologia, tarô, canabis e LSD. Nascia o psicodelismo. (...)
Em janeiro de 1967, foi convocada uma “Reunião de Tribos” no Golden Gate Park, onde aconteceria o World’s First Human Be-In, que teve a presença de ceca de 20.000 jovens cantando, dançando, cobertos de flores, colares e pulseiras de contas. A partir daí, esperava-se a chegada de 100.000 hippies em junho de 1967, para o chamado Verão do Amor. Vieram 200.000 (foto maior, abaixo) como escrito mais acima. Eles foram chegando, a Comissão de Parques liberou áreas em torno de Haight-Ashbury para sacos de dormir (...)
A exploração turística foi tão grande que, a partir desse evento, os hippies deixaram Haight-Ashbury, e foram viver em comunidades rurais. Sociedade alternativa. Nasceram muitas comunidades. Passaram a criar e elaborar produtos limpos, naturalistas e feitos artesanalmente, que logo foi engolido pelo sistema, que percebeu o potencial comercial desses produtos de consumo com grande apelo conceitual, natural. O que aconteceu em S. Francisco em 1967, refletiu o que estava acontecendo ou iria acontecer em quase todas as cidades do mundo industrializado.
É fato que o espírito criativo e positivo iniciado em 1961 começou a desaparecer com a visão horrorosa da Guerra do Vietnã, os assassinatos de John e Robert Kennedy e de Martin Luther King.
O Movimento Hippie é identificado com a “We decade”, conforme colocou Tom Wolf, em contraposição a “Me decade” simbolizado pelos anos 70. Colaborou com aspectos inovadores, criativos e humanizadores. O espírito de “conheça-se e expresse-se” do começo e do meio dos anos 60, combinava idealmente com sensibilidade comunitária e identificação grupal. Começou nos EUA nos 60, foi para outros países e teve seu declínio nos anos 70. Mas deixou marcas, rompeu barreiras para as gerações seguintes:
Amor Livre; Vida em comunidade; Negação de todas as regras do capitalismo; Decisões tomadas em conjunto; Agricultura de subsistência; Troca solidária como moeda; Moda: Roupas brilhantes de inspiração indiana, estampas inspiradas em motivos psicodélicos; Valores religiosos com influência oriental; Liberação Sexual – a invenção da pílula anticoncepcional nos anos 60, colocou as mulheres em um patamar de liberdade, através da possibilidade de escolha, e libertando-a da gravidez indesejada, que sempre foi vista como uma vergonha e coisas piores através dos séculos. E puderam organizar melhor suas vidas, abrindo espaço para igualdade de sexo.
A década de 60 viveu uma revolução, sem dúvida:
Auto-afirmação de movimentos das minorias, como Feminismo, Movimento Gay; Luta pelos Direitos Civis; Pacifismo e contra as guerras; Bases do Movimento Ambientalista. Influências na cultura como: Contra-Cultura; HQ; Poesia Concreta; Cultura de Massa; Artes Plásticas: artistas inspiram-se em conceitos hippies para criar suas obras.
A pintura que ilustra a capa do livro acima, é de Isaac Abrams, “All Things Are One Thing” (Todas as coisas são uma coisa só), óleo sobre tela, 1967. Foto de Alan Meyerowitz, para a exposição “Summer of Love”, Arte da Era Psicodélica – 27/5 – 25/9, 2005 – Tate Liverpool, UK www.tate.org.uk/liverpool
Link da matéria completa: http://anos60.wordpress.com/2008/08/07/hippies/
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