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Ética e conflito

A substituição da filosofia e da ética pelo pragmatismo do neoliberalismo.

As crises presentes nesta fase chamada de pós-modernismo se dá, sobretudo, pela absorção da ética pelos princípios pragmáticos do neoliberalismo tornando ultrapassado e fora de moda qualquer debate de organização das relações humanas. Os pensadores que propõem o debate, o aprofundamento do pensamento que liberte o indivíduo das correntes dominantes são desprezados e taxados como chatos irrelevantes, extremistas, membros da extrema esquerda ou Polianas ingênuos e idealistas.

Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia já tinha observado esses problemas da educação para a autonomia, na presença do forte discurso ideológico empregado pelo neoliberalismo. Na sua concepção é inaceitável o modelo vigente, que transgride permanentemente a ética universal do ser humano, substituindo-a por uma ética mercadológica de concorrência desleal e consumo desenfreado:
“Quando, porém, falo da ética universal do ser humano estou falando da ética enquanto marca da natureza humana, enquanto algo absolutamente indispensável à convivência humana. Ao fazê-lo estou advertindo das possíveis críticas que, infiéis a meu pensamento, me apontarão como ingênuo e idealista. Na verdade, falo da ética universal do ser humano da mesma forma como falo de sua vocação ontológica para o ser mais, como falo de sua natureza constituindo-se social e historicamente não como um ‘a priori’ da História. (...) Quer dizer, mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um “não-eu”, se reconhece como “si própria”. Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. (...)”

O que se vê é que sobram discursos conformistas de que “a realidade é assim mesmo”, pensamento que chegou ao máximo com a afirmação do economista político americano Francis Fukuyama em seu livro "O fim da história e o último homem"  onde  argumenta que o advento da Democracia Liberal ocidental seria o ponto final da evolução sociocultural humana e a forma final do governo humano. Estava decretada a impossibilidade de quaisquer mudanças.

Para que o mundo possa avançar é necessário o resgate da filosofia como ponto de partida do pensamento humano para que produza uma ética de resistência como mecanismo de combate à mesmice ditada pelas forças econômicas e culturais que engessam as possibilidades de mudanças e avanços.

No contexto atual o indivíduo é tragado pelas informações de consumo de uma sociedade que vive atordoada e manipulada pelas várias formas de controle que visam a adaptação do indivíduo ao que é preconizado pelos meios de produção e vastamente divulgadas pela imprensa em comerciais e propagandas e mesmo na forma de matéria jornalística. A ideia é promover a adaptação ao consumo e outras formas que nos são impostas. O questionamento e a busca de alternativas ao modelo se tornam praticamente impossíveis.

Assim se forma a sociedade do “ter” e a espetacularização do indivíduo que passa a não refletir sobre o “ser” trazendo como efeitos colaterais a supremacia do ego com o reforço do narcisismo e do hedonismo moderno, Hedonismo: Doutrina caracterizada pela busca excessiva pelo prazer como propósito mais significante da vida moral; busca incessante pelo prazer como bem supremo. Excessiva busca pelo prazer como modo de vida, e designa uma atitude de vida voltada para a busca egoísta de prazeres momentâneos.

Tornamos-nos um reflexo das imagens midiáticas, onde os meios de comunicação se tornam os formuladores dos processos sociais, políticos, econômicos e culturais, em um processo de colonização da vida cotidiana e da artificialização dos indivíduos, povoado agora por imagens e objetos que nos integram através de um processo de acumulação de consumo e que nos levam a desejar uma vida em moldes não construídos por nós próprios, mas idealizados pelo sistema.

Tudo o que desejamos é a alta visibilidade, reforçada pela admiração de ídolos televisivos que nos são impostos como modelo de felicidade, riqueza e poder. O ser humano passa a ser um buscador de performances, vivendo uma densa teatralização do cotidiano, copiando estilos e personagens e usando máscaras sociais para esconder aquilo que é e não quer ser.

Esse narcisismo e hedonismo ganham substancial reforço com o advento da internet e a utilização das redes sociais como o Facebook, Twitter e WhatsApp ferramentas utilizadas  para quem também busca parecer uma celebridade ou tornar-se, pelo menos, conhecido. Essas redes, que surgiram prioritariamente como um agente para a integração social, criaram um ambiente propício para o exibicionismo e o voyerismo (prática que consiste no prazer a partir da observação de outras pessoas), onde ser contemplado e admirado é o que importa.  Torna-se comum a utilização de imagens falsas, os fakes, notícias e informações duvidosas, onde pessoas são enganadas e muitas vezes induzidas a caírem em verdadeiras armadilhas, colocando-se em risco a sua própria integridade moral e física.

Neste modelo, a ética, como objetivo principal de nortear a vida humana de forma racional e justa, falha e favorece o surgimento de indivíduos com atrofia da personalidade e falta de caráter humano, um fantoche social determinado pela mídia e pela sociedade de consumo.

Sobre esta crise da pós-modernidade há um excelente artigo de Helvécio Damis de Oliveira Cunha, “A crise ética na pós-modernidade e seus reflexos sobre a educação jurídica”, do qual extraio a passagem abaixo, encontrada no site
http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11655:

(...)Marilena Chauí (apud, Bittar, 2004, p. 56) ilustra bem esses tempos de transitoriedade das relações humanas:

"O pós-modernismo faz a opção pela contingência. E, com ela, opta pelo fragmentado, efêmero, volátil, fugaz, pelo acidental e descentrado, pelo presente sem passado e sem futuro, pelos micropoderes, microdesejos, microtextos, pelos signos sem significados, pelas imagens sem referentes, numa palavra, pela indeterminação que se torna, assim, a definição e o modo da liberdade. Esta deixa de ser a conquista da autonomia no seio da necessidade e contra a adversidade para tornar-se jogo, figura mais alta e sublime da contingência. Mas essa definição da liberdade ainda não nos foi oferecida pelo pós-modernismo; está apenas sugerida por ele, pois definir seria cair nas armadilhas da razão, do universal, do logocentrismo falocrático ou de qualquer outro monstro que esteja em voga. Donde o sentimento de que vivemos uma crise dos valores morais (e políticos)".

As palavras de Chauí demonstram o quanto o homem perdeu seus padrões éticos, transformando a vida em uma existência de riscos. Esse novo período no qual a ética se torna relativizada alterou profundamente quatro grupos fundamentais de relações humanas: as relações intersubjetivas, sociais e familiares; as relações econômicas; as relações políticas; e, também, as relações jurídico-sociais.

No plano das relações intersubjetivas, sociais e familiares, constata-se o surgimento de um período de marcante indiferença pelo outro indivíduo, no qual as pessoas não conseguem orientar claramente suas vidas e seguir valores. A verdade passa a ser relativizada, assim como a convivência familiar perde espaço para os instrumentos tecnológicos (ex.: televisão e internet). A imagem feminina é vulgarizada para satisfazer a libido masculina. As pessoas passam a assimilar conceitos e pensamentos preestabelecidos e massificados, sem a adequada meditação. Artistas e indivíduos ligados à mídia são mitificados e idolatrados. As relações humanas são marcadas pela intolerância às diferenças e a sociedade se torna imediatista, pois as pessoas dão mais valor para os bens perecíveis ou de pouca duração (ex.: drogas, álcool, culto ao corpo etc.).

No plano das relações econômicas, a relativização da ética, oriunda principalmente dos efeitos causados pelo capitalismo, estabeleceu a mercantilização dos prazeres (ex.: sexual, diversão e outros), assim como também as coisas e as pessoas passaram a ser mensuradas pelo que elas valem materialmente. O fetiche capitalista apontado por Marx se intensifica, pois o consumo cresce cada vez mais e faz com que as pessoas tenham “necessidades imaginárias”, além de criar uma sensação de “vazio” (...).



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