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Black Friday

Cuidado com a depressão que surge depois de compras inúteis

Por Leonardo Sakamoto

Não entendo as pessoas que têm um prazer orgásmico no ato de comprar sem motivo. Quer dizer, entendo, antropologicamente falando. Da mesma forma que compreendo o porquê de uma ave migratória europeia ir para o Sul, no inverno, ou os fantasmas atacarem incessantemente o velho e bom Pac-Man. Ou seja, programação.

Sei que há um milhão de  justificativas que podem ser dadas para tal ato: como a ardente materialização do desejo, passando pela projeção no objeto de uma série de sentimentos que você não terá tempo para experimentar por vivência própria (ou alguém aqui acha que é mais livre por ingerir xarope doce com água gaseificada?) até a simples possibilidade de deixar claro quem está acima no estrato social via símbolos de status e poder.

Estamos chegando a mais uma Black Friday, uma sexta-feira de grandes descontos, ideia que nasceu nos Estados Unidos para ocorrer depois do Dia de Ação de Graças e foi importada, para cá, por razões óbvias. Alguns sites mais-que-honestos de compras já estão se preparando para subir o preço em 80% e, assim que virar a meia-noite, dar um incrível desconto de 75%. Em outros, realmente o bicho do desconto vai pegar.

Comprar é importante, gira a economia, gera empregos, realiza desejos, supre necessidades, compensa frustrações, controla o povo. Não raro, a possibilidade de que a aquisição de um bem esteja no horizonte de uma pessoa dá a ela um sentido para a sua existência. Bizarro, mas é a vida. Isso traz ansiedade e esperança para “hordas de bárbaros'', que aprenderam a entender esses produtos como passaportes para saírem do ostracismo social.

Por tudo isso, um pedido: não compre com o fígado. Ao acordar de manhã, cheque a fatura do seu cartão de crédito, os extratos bancários e os empréstimos – dos CDCs, passando pelas consignados até aquela grana que você tomou da sogra e nunca devolveu. E reflita se o seu emprego está minimamente garantido pelo próximo ano antes de cair na esbórnia e comprar aquele descascador eletrônico de ovo cozido que você nunca vai usar, mas que o cara da TV disse que, sem ele, você é um zero à esquerda.

Lembre-se: não é demanda que gera oferta. Mas a publicidade ostensiva sobre a oferta que cria a demanda.

Como já disse aqui, não estou peidando regras ao vento, achando que sou leve feito um elfo. Tenho meus desejos de consumo. Mas se está com aquele vazio difícil de preencher ou ficando “transparente'' para seus amigos e colegas, acha que a solução é realmente adquirir um produto e, através dele, o pacote simbólico de cura e inserção que traz consigo?
Acredita que precisa dar um presente para alguém a fim de mostrar que o a
ma? Você se lembra como escrever cartas com as próprias mãos?

Não precisamos ser aquilo que compramos. Ou, melhor, você não precisa comprar para ser alguém. Esses objetos de desejo serão realmente úteis para você? Ou só está procurando um estilo de vida do que gostaria de ser, mas não pode porque não tem dinheiro ou tempo para isso?

Presenteamos nossos filhos para demonstrar carinho em nossa ausência achando que isso resolve. Mas não resolve. Aliás, “o que deveríamos ser'' ou o que “deveríamos viver'' normalmente não é resultado de uma auto-reflexão, mas de alguém martelando algo em nossa cabeça, dia após dia, em comerciais, anúncios, novelas e filmes.

Quanto tempo depois de uma compra impulsiva você percebe que aquilo não lhe trouxe felicidade? E a culpa vai te consumindo por dentro – afinal, somos um país católico ou não somos? E o horror: o vazio da falta de significado que aquilo tudo lhe traz dá uma paúra que antiácido nenhum resolve.

A “classe baixa com poder de consumo mas ainda fora de patamares mínimos de dignidade'', conhecida como “nova classe média'', está alcançando a inclusão social através do consumo. A pessoa deixa de ser vista como uma ignorante completa, uma estrangeira, porque tem um iPhone. Sendo que seria melhor que sua inclusão ocorresse via a garantia de serviços de educação, saúde, cultura e lazer de qualidade e as consequências positivas que isso traz.

Repito sem medo de me tornar redundante: muitos de nós ficam tanto tempo trabalhando que tornam-se compradores compulsivos de símbolos daquilo que não conseguiremos obter por vivência direta. Em promoções, como esta, em que a porteira está aberta e o convite está feito, nem se fala.

Através desses objetos, enlatamos a felicidade – pronta para consumo, mas que dura pouco. Porque, como os produtos que a representam, possui sua obsolescência programada a fim de garantir, daqui a pouco, mais dinheiro a alguém.

As próprias campanhas contra o consumismo desenfreado e pela proteção ao meio ambiente podem ser, quando superficiais, bons pacotes fechados para o consumo imediato e o alívio rápido da consciência, visando à compra de uma indulgência social ou ambiental. Já que a contradição é inerente ao capitalismo e à sociedade de consumo, por que ter pudores ao explorar isso? Sextas-feiras como esta só ajudam a catalisar o processo.

Boas compras.

Mas lembre-se que montar uma pipa com papel de seda, organizar um piquenique no parque, ir a algumas exposições bem legais, pegar emprestado um bom livro ou ir a um sarau literário não custam quase nada. E são tão grandes que não cabem em caixas de papelão…

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/11/28/black-friday-cuidado-com-a-depressao-que-surge-depois-de-compras-inuteis/
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