“Nos últimos anos, diversos países latino-americanos, como Equador e Bolívia, vêm incorporando em suas constituições, o conceito do bem-viver, que nas línguas dos povos originários soa como Sumak Kawsay (quíchua), Suma Qamaña (aimará), Teko Porã (guarani). Para alguns sociólogos e pesquisadores, temos aí uma das grandes novidades do início do século XXI.
Redescobre-se agora um conceito milenar: o “Viver Bem”. “A expressão Viver Bem, própria dos povos indígenas da Bolívia, significa, em primeiro lugar, ‘viver bem entre nós’. Trata-se de uma convivência comunitária intercultural e sem assimetrias de poder (…). É um modo de viver sendo e sentindo-se parte da comunidade, com sua proteção e em harmonia com a natureza (…), diferenciando-se do ‘viver melhor’ ocidental, que é individualista e que se faz geralmente a expensas dos outros e, além disso, em contraponto à natureza” – escreve Isabel Rauber, pensadora latino-americana, estudiosa dos processos de construção do poder popular na América Latina indo-africana”1.
A gravidade da crise ambiental
A humanidade está hoje na direção da não-sustentabilidade, caminhando rapidamente para tornar a Terra inabitável: estamos desmatando numa velocidade incrível por toda parte, seja para vender a madeira, seja para exportá-la, seja para dar lugar a grandes pastagens e plantações de commodities (no caso brasileiro, soja e etanol, principalmente). As florestas são fundamentais para garantir a biodiversidade, mas também, entre outras coisas, para termos chuva e lençóis freáticos abundantes. Nossa água doce está sendo utilizada em uma quantidade muito acima de sua capacidade de reposição. Além disso, ela está sendo poluída pelo não-saneamento (despejo de esgotos diretamente nos rios), pelos agrotóxicos, pelas indústrias e seus produtos tóxicos, pela mineração (na qual muitas vezes são usadas substâncias químicas). Por outro lado, o aquecimento global está derretendo fontes de água doce que são as geleiras, os glaciares e as calotas polares, o que pode tornar a vida muito difícil em inúmeras regiões do mundo.
Nossos alimentos são cada vez mais envenenados pelos pesticidas e agrotóxicos – o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, à frente dos EUA.
Alguns alimentos que consumimos são carregados desses produtos. Nós os colocamos em nosso organismo numa quantidade ínfima, mas dia a dia, ano a ano, ingeridos continuamente, esses venenos produzem doenças, entre as quais o câncer.
Nosso sistema econômico, para gerar lucro, precisa incessantemente produzir e vender. É por isso que nossa sociedade é uma sociedade de consumo, porque as pessoas precisam consumir sempre mais. Essa é a lógica do capitalismo. E a propaganda é absolutamente fundamental, para tornar as pessoas consumidoras, para convencer as pessoas de que precisam comprar e, depois de comprar, comprar novamente. Os produtos não são feitos para ter durabilidade, eles são feitos para se tornar rapidamente obsoletos, de modo a que as pessoas tenham necessidade de comprar um novo. Mais produtos, mais embalagens, tudo isso gera lucros para as empresas, mas também consome intensamente as matérias primas de que são feitos os produtos, além de aumentar a quantidade de lixo que é descartado num volume maior que a capacidade do meio de absorvê-lo.
Em consequência, os recursos naturais do planeta estão desaparecendo. Alguns desses recursos não são renováveis e, em algum momento, vão deixar de existir, em razão do consumo excessivo. Outros são renováveis, mas a velocidade com que estão sendo utilizados e a não-sustentabilidade de seu uso fazem com que não haja tempo de regeneração.
O capitalismo é suicida porque ele não consegue se manter sem destruir as condições que a humanidade necessita para sobreviver: clima equilibrado, recursos naturais disponíveis a longo prazo e segurança alimentar. É desagregador das sociedades, porque tende a produzir fortes desigualdades. A distância entre os ricos, impondo padrões de consumo inalcançáveis, e os pobres, com suas esperanças cada vez mais frustradas, produz o ambiente propício para a proliferação do crime e da violência. A vida se mercantiliza, tudo vira mercadoria, inclusive as pessoas.
A crise econômica mundial e sua não-solução
A maior crise econômica mundial desde 1929 eclodiu publicamente em 2008. Ela foi produzida pelas políticas neoliberais e pela globalização econômica implementadas nos últimos trinta anos. Os dogmas neoliberais em poucos dias foram derrubados e as consequências da economia de mercado desregulada ficaram mais evidentes: desemprego,exclusão, aumento da desigualdade social, violência – tudo isso aliado a uma enorme destruição ambiental.
Mesmo desnudado, porém, o capital financeiro não desistiu do seu caminho. A solução que os governos deram para a quebra de vários grandes bancos e multinacionais foi a injeção de recursos públicos (isto é, dos contribuintes, de todo o povo) nessas instituições. Salvaram os próprios bancos responsáveis pela crise. Agora, depois de salvos pelo dinheiro público, estão novamente tendo lucros privados, isto é, os prejuízos são pagos pelo povo, mas os lucros são reapropriados pelos bancos. As exigências de regulação do sistema financeiro, dos bancos, não foram colocadas em prática, o que significa que hoje estamos praticamente nas mesmas condições que geraram a crise de 2008: podemos portanto prever a eclosão de uma outra grave crise mundial, só não sabemos o momento exato.
Por outro lado, a saída da crise mundial não pode ser a retomada do crescimento econômico anterior, apoiado na lógica “produtivista-consumista”: a saída é romper com o modelo econômico baseado na exploração e no lucro e estabelecer um modelo de sociedade baseado em uma economia solidária e ecológica, na relação respeitosa com a natureza, na busca do bem-viver, produzindo aquilo que é necessário, evitando o esgotamento dos bens que a natureza nos oferece.
Nós temos um país com riquezas naturais invejáveis, dotado de uma enorme biodiversidade, com terra agricultável em quantidade, com uma imensidão de trabalhadores aptos a trabalhar – o principal recurso para o desenvolvimento –, com um parque produtivo que foi atingido mas não destruído pelas políticas neoliberais. Somos banhados pelo sol o ano inteiro, temos 13,8% da água doce do mundo e temos ventos: ou seja, poderíamos ter toda a nossa energia renovável, eólica, solar, geotérmica, oceânica e outras.
É mais do que nunca o momento de pensar em um modelo de desenvolvimento centrado nas necessidades humanas, que garanta a reprodução da natureza, evite o desperdício e não esgote os bens de que precisamos para viver. Um desenvolvimento que esteja voltado para a vida e não para a maximização do consumo.
Por uma outra concepção de desenvolvimento
Precisamos construir uma outra concepção de desenvolvimento, centrado na satisfação dessas necessidades. Desenvolvimento não é sinônimo de crescimento econômico, como afirma a teoria econômica dominante – difundida pela grande mídia –, desenvolvimento não é sinônimo de “produtivismo-consumismo”. Desenvolvimento é desdobrar as potencialidades existentes nas pessoas e na sociedade para que tenham vida e possam viver bem2. Isso implica garantir proteção social para que as pessoas se sintam seguras face às dificuldades imprevistas que podem atingir qualquer ser humano.
O que é necessário para conseguir esses bens? Como obter aquilo de que precisamos sem destruir as condições que nos permitem viver na Terra, sem acabar com a água, os peixes, os animais, a terra cultivável, as florestas, a diversidade cultural, social e biológica? Como organizar a sociedade de modo que haja trabalho para todos?
Não basta fazer coleta seletiva de lixo, não basta evitar o desperdício de água, substituir os carros a gasolina por carros elétricos. Na verdade, o que é preciso mudar, para interromper a destruição do planeta, é o tipo de desenvolvimento. Desde o século passado, a economia é centrada na produção crescente e no consumo incessante. O objetivo prioritário da economia dominante é o crescimento econômico: o critério universal de avaliação de um país é o PIB, o Produto Interno Bruto, quanto mais produzir, quanto mais vender, melhor é o país, melhor está sua economia3.
Nessa toada, vão-se embora os bens naturais – a água, a terra fértil, o ar saudável, as árvores, etc. Os especialistas dizem que precisamos de mais de uma Terra para garantir o nível de consumo atual – os países desenvolvidos têm apenas 20% da população mundial, mas consomem 80% dos produtos. É fundamental mudar isso. Mais que fundamental, é urgente, é inadiável: se mantivermos o sistema atual, a humanidade desaparecerá4. No dizer de Leonardo Boff, “a Terra pode sobreviver sem nós, mas nós não podemos viver sem a Terra”5.
Essa é a preocupação do economista Joan Martínez Allier, no livro “Da economia ecológica ao ecologismo popular” (1998)6. Segundo esse autor – inspirado em Georgescu Roegen, o iniciador dessa linha de pensamento –, economia ecológica “é uma economia que usa os recursos renováveis (…) com um ritmo que não exceda sua taxa de renovação, e que usa os recursos esgotáveis (…) com um ritmo não superior ao de sua substituição por recursos renováveis (…)” (1998: 268).
Um outro autor, Lester Brown, publicou em 2001 a obra Eco-economia: construindo uma economia para a Terra e, recentemente, em 2009, publicou Plano B 4.0 – Mobilização para Salvar a Civilização7. Obras onde ele propõe outro tipo de economia: desde a mudança da matriz energética até o tipo de indústria que deveríamos ter, o tipo de agricultura, de transporte e assim por diante. E poderíamos citar outros, como Herman Daly, Manfred Max-Neef8.
É possível organizar a sociedade de outra forma – e melhor
Não basta dedicar 2% do PIB mundial para tornar a economia sustentável, como afirma documento do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) em preparação à Rio+209.
Em primeiro lugar, o capitalismo em sua forma neoliberal – hegemônica nos últimos 30 anos – produziu uma forte desregulamentação das atividades econômicas. As empresas, desreguladas, ficaram livres para fazer o que quisessem para obter mais lucros. O resultado foi um incrível aumento da exploração dos trabalhadores: as empresas e, dentre estas, especialmente as empresas financeiras, passaram a ter lucros crescentes, e seus executivos passaram a ter salários altíssimos, em absoluta desproporção aos salários pagos aos demais trabalhadores, severamente comprimidos.
O primeiro ser natural a sofrer aumento de degradação neste período foi o ser humano, expresso na grande maioria da humanidade. Este foi o primeiro ser vivo a ter sua sobrevivência ameaçada, o primeiro a sofrer perda de direitos.
A primeira conclusão a tirar desta crise é que a economia precisa ser regulada, é necessário o controle da sociedade sobre a política econômica. Não se pode deixar as empresas decidirem o que e como fazer sem a interferência da sociedade na qual atuam, sem o conhecimento e a avaliação daqueles que sofrem as consequências de sua atuação.
O enfrentamento da desigualdade social
Qualquer projeto de desenvolvimento baseado no cuidado ecológico, qualquer projeto de economia ecológica, tem de ter como prioridade a redução da desigualdade social – não basta a redução da pobreza.
Temos assistido, no período recente, à crise econômica servir de pretexto para desmontar o Estado de bem estar social na Europa. Os trabalhadores vêem seus salários serem reduzidos sucessivamente, suas futuras aposentadorias serem rebaixadas e, mesmo, ameaçadas e uma parte significativa se vê desempregada e vivendo na informalidade, com os serviços públicos sofrendo constantes cortes de recursos.
No entanto, para surpresa nossa, isso não se deve à diminuição da riqueza de cada país. Para dar um exemplo, vejamos o caso da França: nos últimos 30 anos, as aposentadorias foram reduzidas, os salários rebaixados, a população desempregada quintuplicou e as políticas sociais sofreram sérios cortes. Mas não foi por falta de recursos. Em 1980, o PIB da França era 444 bilhões de euros. Em 2010, foi 1.932 bilhões de euros (1 trilhão e 932 bilhões de euros). O PIB cresceu mais de 300%. Seria possível argumentar que isso ocorreu porque a população cresceu muito. Na verdade, cresceu bem menos que o PIB: ela passou de 36 milhões a 63 milhões de habitantes: um crescimento de 75%. Poder-se-ia dizer que a parte mais velha da população – aquela acima de 65 anos – cresceu muito mais. Mas esta parte aumentou menos de 40%.
Nas mãos de quem foi parar a renda e a riqueza acrescida entre 1980 e 2010?
No caso do Brasil, a pobreza diminuiu nos últimos anos, em razão principalmente de um aumento real do salário-mínimo e do programa Bolsa-Família. Isso, porém, não significou mudança nas estruturas geradoras da desigualdade social. Ao contrário, a política econômica vem enriquecendo de modo exponencial os mais ricos – os 5% no topo da pirâmide social. Portanto, ocorre diminuição da pobreza, sim, mas, ao mesmo tempo, aumento da desigualdade social. A maior parte do resultado do trabalho, a maior parte dos recursos produzidos no país, vai para a camada mais rica, através do sistema tributário, do imposto sobre o consumo – que tem um peso maior que aquele sobre a renda – e do pagamento da dívida, dos juros da dívida, do superávit primário.
Como superar o modelo produtivista-consumista
Para superar o modelo de desenvolvimento predador, produtivista-consumista, temos de propor outro tipo de desenvolvimento. Como pensar o conjunto da organização social, como pensar as cidades e o campo, o trabalho, a produção daquilo que é necessário?
Mudar a matriz energética
Temos de mudar a matriz energética (e a tragédia ocorrida no Japão só fez confirmar a urgência dessa mudança): substituir a energia baseada em combustíveis fósseis e a nuclear por energias renováveis. Nesse ponto, em termos de estudos e de propostas, estamos nos adiantando. Temos estudos mostrando a viabilidade técnica de obter toda a energia de que necessitamos via energia eólica, solar fotovoltaica, solar térmica, oceânica, geotérmica e hidrelétrica10 (ver, por exemplo, o recente estudo do Greenpeace no Brasil, A revolução energética e o Relatório sobre Energia, produzido pela WWF)11. Não temos necessidade de nenhuma nova megausina hidrelétrica para garantir eletricidade para o povo, não precisamos expulsar povos indígenas e ribeirinhos de seu habitat, não precisamos mais acabar com belezas naturais como Sete Quedas, exaltada nos versos de Carlos Drummond de Andrade12.
Um estudo da Academia americana de Ciências indica que o potencial de produção eólica terrestre representa 40 vezes as necessidades atuais de eletricidade. Na China, cobriria 16 vezes as necessidades do país13. O potencial avaliado pelo Atlas Eólico Brasileiro é de que a energia eólica pode multiplicar por dez a energia gerada por Itaipu (apud Greenpeace, 2010).
Na China, captadores térmicos instalados nos tetos de casas fornecem atualmente água quente a 120 milhões de famílias. Cerca de 5 mil empresas chinesas fabricam estes aparelhos: é uma tecnologia simples e barata14 e se difundiu enormemente em lugares onde ainda não há eletricidade. A vantagem da energia solar é que ela não precisa de rede para funcionar: cada residência pode ter sua fonte de energia independente, mesmo que esteja situada numa região isolada. Na Alemanha, atualmente 2 milhões de alemães vivem em casas onde a água quente e a eletricidade são assegurados por captadores solares.
Segundo o Atlas Solarimétrico do Brasil, se 0,3% do Saara fosse usina solar concentrada, geraria energia suficiente para toda a Europa. E, no Brasil, se apenas 5% da energia vinda do sol fosse aproveitada, toda a demanda nacional por eletricidade poderia ser atendida (idem). O Brasil ainda tem condições de ser um dos primeiros em pesquisa e tecnologia de energia solar. Bastaria que algum governo tivesse a vontade política de investir recursos nesta área.
Tendo em vista que, no futuro, as fontes principais de energia serão renováveis, se tornará desnecessário o transporte do petróleo através de extensos oleodutos e de petroleiros cruzando incessantemente os mares15.
Em escala mundial, as subvenções aos combustíveis fósseis se eleva a 500 bilhões de dólares por ano. Seria preciso interromper estas subvenções. Para comparar: o investimento em energias renováveis é de 46 bilhões de dólares, dez vezes menos.
A área agrária-agrícola
Para a área agrária-agrícola, há propostas consistentes dos movimentos sociais do campo e de setores a eles vinculados. Eles propõem um modelo de agricultura radicalmente diferente do modelo dominante, um modelo que se opõe à dominação das multinacionais, ao agronegócio, à dependência de fertilizantes e agrotóxicos, aos transgênicos. Ele exige a reforma agrária, para que todos os trabalhadores tenham terra e condições para plantar; e propõe um modelo apoiado na agroecologia – sem agrotóxicos –, na produção diversificada, na agricultura familiar16, produzindo prioritariamente para a alimentação da população.
Esta não é uma proposta teórica apenas, ela já está sendo praticada em vários lugares do país. E tem tido excelentes resultados tanto em termos de produção, quanto em termos de alimentação saudável e suficiente para a população envolvida. A razão pela qual ela não se expande é a prioridade dada pelos governos ao agronegócio, à exportação de commodities e a pouca atenção a este tipo de agricultura. Levando em conta que 70% dos alimentos que consumimos são produzidos pela agricultura familiar, fica claro por que o país tem importado cada vez mais alimentos em que, há menos de vinte anos, éramos autosuficientes.
O semi-árido brasileiro
A ASA (Articulação do Semi-Árido) tem propostas amplas sobre como viver e produzir nessa região, sintetizadas na expressão “convivência com o semi-árido”. E não são apenas idéias: estão sendo implementadas em boa parte da região, com resultados muito positivos para a população. São inúmeras tecnologias sociais que permitem ter água durante todo o ano, mesmo com pouca pluviosidade17. O “Atlas do Nordeste”, preparado pela ANA (Agência Nacional de Águas) se apóia em muitas dessas propostas e oferece condições de atender a 34 milhões de nordestinos, o triplo do prometido pelo projeto governamental de transposição do rio São Francisco – e pela metade do valor da transposição.
A indústria
Terá de ser toda ela à base da reciclagem dos materiais já utilizados. Temos de passar de um sistema baseado no automóvel e no fluxo de materiais e de produtos descartáveis para um sistema baseado em meios de transporte diversificados e na reciclagem exaustiva das matérias primas e dos produtos acabados18.
Durabilidade/ consertabilidade/ recuperabilidade
Isso também implica em exigências quanto à própria fabricação dos bens ou ao seu desmonte. A construção dos prédios deve ser de tal modo e com tais materiais que permita, no futuro, quando vierem a ser desfeitos, que os materiais possam ser reutilizados, reaproveitados. Os aparelhos devem ser produzidos de tal forma que possam ser desmontados, e todas as suas partes reaproveitadas. Eles devem ser feitos de modo a poderem ser consertados em vez de descartados, a poderem substituir apenas uma peça quando esta peça apresentar defeito. Eles devem ser feitos para durar, não para serem trocados em pouco tempo. Há produtos que poderiam ter garantia de dez, vinte anos ou mais, em vez de um ou dois anos.
A lâmpada, por exemplo, se for fluocompacta (FLC), gasta menos e dura mais que a incandescente. E se for LED (diodo emissor de luz)19, gasta ainda menos e dura muito mais – mais de 15 anos. Os semáforos em alguns países já são LED 20.
Na Europa, os aparelhos eletrodomésticos são duas vezes mais econômicos que nos Estados Unidos. E existem aparelhos ainda mais econômicos que os da Europa.
Os transportes
Repensar o sistema de transporte, investindo pesadamente no transporte coletivo, diversificado, apoiado nos trilhos – trem, metrô, bonde (tramway) -, nos ônibus; e também na utilização de bicicletas – estimulada por investimento público e garantindo condições de segurança. Estabelecer vias preferenciais para os ônibus (o que os torna mais rápidos e mais atrativos), reduzir as áreas acessíveis aos carros individuais, investir em ciclovias e ruas para pedestres.
Isso implica abandonar a centralidade do automóvel em nossa civilização – e do transporte rodoviário. A prioridade para o automóvel está inviabilizando as cidades, aumentando o aquecimento global, a poluição ambiental e as doenças respiratórias, prejudicando o ser humano.
A cidade
Repensar a cidade: a cidade para o bem-estar dos habitantes. Pensar a construção das habitações de modo que os materiais utilizados sejam poupadores e geradores de energia: tetos solares, sistema de captação de água da chuva para diversos usos. Além disso, pode-se produzir equipamentos geradores de energia em pequena escala, residencial – para garantir o abastecimento das necessidades domésticas, para a iluminação e a climatização (“residência eficiente”). Energia fotovoltaica para os aparelhos domésticos, energia solar térmica para a água quente. De forma a aproveitar o máximo e a desperdiçar o mínimo aquilo que a natureza oferece. Mesmo imóveis antigos, mal isolados, podem passar por uma renovação energética e reduzir o gasto de energia em 20 a 50%21.
A propaganda
Comecemos por eliminar a propaganda: de medicamentos, pelo risco que oferece à saúde pública, além de incitar ao consumo desnecessário dos mesmos; de bebidas alcoólicas; de refrigerantes, pelo efeito deletério que eles têm sobre a saúde das pessoas (vício, açúcar, obesidade, diabetes, etc.); a propaganda dirigida a crianças.22
O desenvolvimento que nós queremos
Queremos um desenvolvimento que nos dê vida e não produtos. Temos de produzir aquilo de que precisamos, não aquilo que as empresas querem que consumamos, para atender a sua ganância de lucros. Não precisamos de um celular novo por ano, de uma televisão a cada Copa do Mundo, de mais ruas, avenidas e viadutos para garantir a venda de mais carros. Não precisamos de máquinas de lavar que quebram depois de um ano ou computadores que ficam obsoletos depois de alguns meses.
Tudo aquilo de que precisamos pode ser fabricado de modo a ter longa duração, a poder ser aperfeiçoado sem ser trocado, a ser consertado em vez de eliminado. Precisamos de reengenharia, sim, mas para que nossas indústrias se dediquem a utilizar o que já existe para produzir coisas novas e úteis.
Sim, é verdade: “outro mundo é possível” – nele poderemos “viver bem”, na solidariedade com os irmãos, em harmonia com a natureza.
Ivo Lesbaupin é sociólogo, coordenador do Iser Assessoria e membro da direção nacional da Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais. Uma primeira versão deste artigo foi publicada em Le Monde Diplomatique Brasil, novembro de 2010.
0 comments:
Speak up your mind
Tell us what you're thinking... !