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As gerações perdidas

Autor(es): Jeffrey D. Sachs
Valor Econômico - 30/10/2012  

O sucesso econômico de um país depende do ensino, capacitação e saúde de sua população. Quando a população jovem é saudável e dispõe de boas escolas, pode encontrar emprego, dignidade e ser bem-sucedida na adaptação às flutuações do mercado de trabalho mundial. As empresas investem mais, sabendo que seus funcionários serão produtivos. Muitas sociedades pelo mundo, no entanto, não cumprem a tarefa de assegurar assistência médica básica e ensino satisfatório para cada nova geração de crianças que surge.

Por que essa tarefa de proporcionar ensino não é cumprida em tantos países? Alguns, simplesmente, são pobres demais para oferecer escolas razoáveis. Os próprios pais podem não ter gozado do ensino adequado, o que os deixa incapazes de ajudar os filhos além do primeiro ou segundo ano de escolaridade, de forma que o analfabetismo e falta de conhecimento matemático básico são transmitidos de uma geração à outra. A situação é mais complicada em grandes famílias (de seis ou sete filhos), porque os pais investem pouco na saúde, nutrição e ensino de cada filho.

Os países ricos, no entanto, também fracassam na tarefa. Os Estados Unidos, por exemplo, permitem cruelmente o sofrimento das crianças mais pobres. As populações pobres vivem em bairro pobres, com escolas pobres. Os pais frequentemente estão desempregados, doentes, divorciados ou até presos. As crianças ficam presas em um contínuo ciclo geracional de pobreza, apesar da afluência da sociedade em geral. Com demasiada frequência, as crianças que crescem na pobreza acabam tornando-se adultos também pobres.

Os EUA estão quase com o pior grau de mobilidade social entre os países de alta renda. As crianças pobres provavelmente continuarão pobres; as crianças nascidas ricas provavelmente serão adultos ricos. Essa imobilidade equivale a um profundo desperdício de talentos humanos.

Um notável novo documentário, "The House I Live In" (a casa onde moro, em inglês), mostra que a história dos EUA, em consequência de políticas desastrosas, é ainda mais triste e cruel do que essa. 

Há cerca de 40 anos os políticos americanos declararam uma "guerra às drogas", aparentemente para combater o uso de cocaína e outras drogas causadoras de dependência. Como o filme mostra claramente, contudo, a guerra às drogas tornou-se uma guerra contra os pobres, especialmente os de grupos minoritários pobres.

De fato, a guerra contra as drogas levou ao aprisionamento em massa da população jovem, masculina e pertencente a minorias. Atualmente, há 2,3 milhões de pessoas presas* nos EUA, sendo que um número substancial é de pobres que foram presos por vender drogas para sustentar seu próprio vício. Como resultado, os EUA possuem o maior índice de aprisionamento - alarmantes 743 presos para cada 100 mil pessoas!

O filme descreve um mundo de pesadelo, em que a pobreza de uma geração é passada para a seguinte, com a cruel, dispendiosa e ineficiente "guerra às drogas" facilitando o processo. Pessoas pobres, frequentemente afro-americanas, não conseguem encontrar empregos ou voltam do serviço militar sem capacitação ou contatos profissionais. Caem na pobreza e voltam-se para as drogas.

Em vez de receber assistência social e médica, são presos e transformados em criminosos. A partir daí, passam a entrar e sair do sistema prisional e têm poucas chances de alguma vez vir a conseguir um emprego legal que lhes permita sair da pobreza. Suas crianças crescem sem um pai em casa - e sem esperança e apoio. As crianças de usuários de drogas muitas vezes também se transformam, elas próprias, em usuárias; elas também frequentemente acabam na cadeia ou sofrem violências ou mortes precoces.
O mais insano em tudo isso é que os EUA não perceberam o óbvio - e por 40 anos. Para quebrar o ciclo de pobreza, um país precisa investir no futuro das crianças, não na prisão de 2,3 milhões de pessoas, muitas por crimes não violentos, sintomas de pobreza.

Muitos políticos são cúmplices dessa insanidade. Brincam com os medos da classe média, especialmente com o medo da classe média diante de grupos minoritários, para perpetuar esse mau direcionamento dos esforços sociais e dos gastos governamentais.

O ponto central é o seguinte: os governos têm um papel singular a desempenhar para assegurar que todos os jovens de uma geração - tanto as crianças pobres como as ricas - tenham oportunidades. 
Uma criança pobre dificilmente sairá da pobreza vivida por seu pai ou mãe sem programas governamentais fortes e eficientes que apoiem um ensino de alta qualidade, assistência médica e nutrição satisfatória.

Essa é a genialidade da "social-democracia", filosofia em que Escandinávia foi pioneira, mas que também foi adotada em muitos países em desenvolvimento, como a Costa Rica. A ideia é simples e forte: todas as pessoas merecem uma oportunidade e a sociedade precisa ajudar todos a ter essa oportunidade. Ainda mais importante, as famílias precisam de ajuda para criar crianças saudáveis, bem nutridas e escolarizadas. Os investimentos sociais são altos, financiados por impostos elevados, que os ricos pagam de verdade, em vez de driblá-los.

Esse é o método básico para interromper a transmissão intergeracional de pobreza. Uma criança pobre na Suécia tem benefícios desde o começo. Os pais da criança têm garantia de licença maternidade/paternidade para ajudar a criar o filho. O governo, então, oferece creches de alta qualidade, possibilitando à mãe - sabendo que o filho está em um ambiente seguro - voltar a trabalhar. 

O governo assegura que todas as crianças tenham vaga em pré-escolas, para que estejam prontas para entrar na escola formal a partir dos seis anos. E a assistência médica é universal, para que a criança possa crescer saudável.

A comparação entre EUA e Suécia é, portanto, reveladora. A partir de dados e definições comparáveis fornecidos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os EUA têm um índice de pobreza de 17,3%, quase o dobro do observado na Suécia, de 8,4%. O índice de aprisionamento é dez vezes maior que o da Suécia, de 70 presos a cada 100 mil. Os EUA são mais ricos, na média, do que a Suécia, mas a diferença de renda entre os mais ricos e os mais pobres nos EUA é amplamente maior do que na Suécia. E os EUA tratam seus pobres de forma punitiva, em vez de apoiá-los.

Uma das chocantes realidades dos últimos anos é que os EUA estão quase com o pior grau de mobilidade social entre os países de alta renda. As crianças pobres provavelmente continuarão pobres; as crianças nascidas ricas provavelmente serão adultos ricos.

Essa imobilidade intergeracional equivale a um profundo desperdício de talentos humanos. Os EUA pagarão o preço no longo prazo a menos que mudem de rumo. Investir nas crianças e jovens traz o mais elevado dos retornos que uma sociedade pode almejar, tanto em termos econômicos como humanos. (Tradução de Sabino Ahumada)

Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É também assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio.
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