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Por uma outra globalização – Milton Santos

Introdução geral
 
É preciso perceber três espécies de globalização se queremos escapar à crença de que este mundo, assim como nos é apresentado, é a única opção verdadeira:

há o mundo tal como nos fazem vê-lo, com a globalização como fábula; o segundo é o mundo como ele é, com a globalização como perversidade; e o terceiro, o do mundo como ele pode ser, o da outra globalização.

A globalização tem três faces, portanto: é uma fábula, na medida em que fantasia-se acerca de mitos como a comunicação universal, o fim do Estado e a aldeia global.

O outro lado é a globalização perversa, que ataca a maioria dos países pobres, trazendo miséria, fome e doenças. Mas as mesmas técnicas que permitem em países ricos a proliferação da ideologia perversa permitirão aos países pobres um movimento de baixo para cima, que imporá uma nova ideologia mais humana.

A produção da globalização

Como só se pensa na crise financeira, a crise política, a crise social e a crise moral ficam em segundo plano e se aprofundam mais.

A globalização é produzida com uma série de ferramentas, como a unicidade da técnica, que faz com que todo o mundo tenha acesso às últimas novidades técnicas. A informação é outro expediente que permite a técnica única e que leva à convergência de momentos, ou seja, à ocorrência em todos os grandes centros dos efeitos das mudanças no resto do mundo. Mas essa informação é deturpada e também gera efeitos.

A unicidade da técnica e a convergência de momentos fazem com que a o único motor do mundo seja a mais-valia. Tudo se faz para aumentá-la e, em conseqüência, a competitividade aumenta.

O motor único também é possível graças ao conhecimento do planeta, à medida que é possível escolher lugares e materiais mais lucrativos.

Tudo isso leva a crer que o período por que passamos é uma crise, que requer uma mudança estrutural.

Uma globalização perversa

A globalização perversa é baseada em fábulas como a da comunicação global, do espaço e tempo contraídos, da desterritorialização e da morte do Estado. São fábulas porque a informação é centralizada e manipulada no interesse das grandes empresas. A diminuição de espaço e tempo pregada só acontece para poucos. A globalização perversa precisa dos territórios e dos governos internos para se manter e a morte do Estado, por sua vez, só aproveita às poucas empresas hegemônicas.

Todas essas fábulas são inculcadas nos cidadãos antes mesmo de qualquer ação.

A busca incessante pelo dinheiro leva à competitividade que gera individualismos e violência. O discurso hegemônico, por sua vez, faz isso parecer inevitável. Sai de cena então a solidariedade e cresce o desemprego e a miséria.

Os homens não são mais cidadãos, mas meros consumidores, comandados pelas técnicas de marketing e design, impostas pela suposta “informação”.

A ciência (e aí se incluem as pesquisas eleitorais) é ideologizada e também cai num círculo vicioso para legitimar a própria ideologia de que é vítima.

Nascem daí a violências estrutural e a perversidade sistêmica, onde a competitividade e a potência (falta de solidariedade ou prevalência sobre os outros) puras, unidas à ideologia neoliberal, fazem parecer normais as exclusões sociais. Fala-se muito em violência da sociedade de nosso tempo, mas esquece-se que as violências que mais percebemos são apenas derivadas. A violência estrutural resulta da presença, em estado puro, da competitividade, da potência e do dinheiro. A essência da perversidade é a competitividade, uma guerra em que tudo vale para conquistar melhores espaços no mercado.

Na evolução das sociedades o progresso da ciência caminhava em direção ao da humanidade. A revolução industrial quebrou esse ritmo, mas as idéias filosóficas e morais da época conseguiram manter um contrapeso. O resultado foi o alcance do Estado Social. A globalização perversa ainda consegue quebrar esse processo e faz o homem retornar ao estado primitivo do cada um por si. Milton Santos entende, portanto, que o homem caminha para o progresso, mas há algumas falhas nessa caminhada.

Além disso, os avanços tecnológicos apenas servem aos interesses do mercado, sem consideração com os da humanidade.

Por outro lado, as grandes empresas passam a dominar o cenário político e chantageam governos para que concedam incentivos fiscais na instalação.

De todo esse processo advém a pobreza estrutural, excludente, que a ideologia neoliberal (Hayek) insiste ser necessária, inevitável e natural e que, por isso, deve-se em alguma medida estimulá-la. Se a crise é estrutural, não são possíveis soluções não-estruturais. A ruptura como o sistema da globalização perversa há de ser total.

Nesse quadro, o papel dos intelectuais é quebrar o pensamento único, fazendo a dialética, porque o globalitarismo só é forte se encontra contrapartida interna. Quer dizer, depende de cada país o modo com vai se inserir na globalização.

O território do dinheiro e da fragmentação

Antigamente as diferentes velocidades entre os Estados não separavam os agentes, pois a política compensava a diversidade, assegurando a soberania de grandes diferenças e conduzia ao enriquecimento dos direitos sociais.

A globalização traz a ideologia de que a fluidez é um bem comum, quando na verdade apenas alguns agentes podem utilizá-la. Imponto o ritmo, o mercado controlado pelas grandes empresas busca apenas expansão e não união. O mundo é forçado a se amoldar às vontades e necessidades das empresas.

Como conseqüência, fragmenta-se o território, com as empresas hegemônicas criando ordem para si e desordem para o resto. Em reação a esse fenômeno criam-se novas soberanias, como o país basco.

Na agricultura, por exemplo, há uma demanda externa de racionalidade, que leva à militarização do trabalho: deve-se seguir as regras hegemônicas da produção (soja, por exemplo). Isso leva à servidão e ao desemprego.

Por isso, diz-se que o campo é o lugar da vulnerabilidade e a cidade o da resistência. Esta característica da cidade pode ser explicada porque nela as racionalidades da globalização se difundem mais extensivamente, ainda mais quando paralelamente há produção de pobreza. Mas ambos estão subordinados às lógicas das empresas globais, que impedem as regulações locais. O que vale é a norma global. Daí criarem-se regionalismos exacerbados que ameaçam a integridade nacional. A vida acaba obedecendo às lógicas exógenas.

Milton Santos percebe a necessidade de uma federação de lugares, a partir de células locais, uma regionalização não fragmentada para que se possa atuar na federação.

Outra dado que pode ser reunido é o das metamorfoses dos conceitos de território e dinheiro. O território passa a ser a identidade de determinado lugar, ao passo que o dinheiro não representa mais apenas elemento de troca, mas fator de avaliação das características de dado território. Como exemplo dessa constatação lembro os avaliadores de riscos dos países, que se especializaram em estudar o valor que determinados lugares tem na mercado internacional.

O domínio do dinheiro acaba tendendo a homogeneizações, que são contrariadas aos poucos pelas resistências locais. Na América Latina esse processo se dá através do macrocrescimento de algumas empresas. Esse crescimento satisfaz a busca dos governos neoliberais pelo aumento do PIB. Por isso, é necessária a decisão das minorias de participar ativamente do processo, decisão que fortalece todos os entes da federação.

O autor apresenta a teoria das verticalidades e horizontalidades. As verticalidades seria forças de ordens externas e superiores que atendem a interesses corporativos – pontos que formam “o espaço de fluxos”. O poder assim exercido leva o processo organizacional a se dar no ritmo dos macroagentes que não dão espaço aos pequenos. Esse modelo tem a característica de ser construído para ser indiferente ao seu entorno. Suga-se até não dar mais, depois, adiós!

Ao passo que se pode caracterizar as verticalidades como forças centrífugas, as horizontalidades são centrípetas; são forças que não são criadas por políticas estabelecidas, pois são fruto da adaptação a situações que exigem dos atores permanente estado de alerta.

São a contra-racionalidade, que contraria as racionalidades hegemônicas mesmo sem uma política uniforme. É o entendimento difuso de que as verticalidades não são boas. Por apresentarem essa característica, são propícias a formar solidariedades.

Essa luta de verticalidades e horizontalidades resulta num processo dialético que impede que o espaço de todos – o espaço banal – seja sufocado. Junto ao conceito de espaço Milton Santos dá o conceito de lugar: espaço em que se exerce a cidadania e se pode existir (p. 114).

A geografia revela que as aglomerações e as situações de vizinhança fazem com que as pessoas não se subordinem à racionalidade hegemônica, se entregando com mais facilidade às manifestações contra-hegemônicas, num movimento de baixo para cima. É a dialética da contra-racionalidade.

Limites à globalização perversa

A escassez de recursos e a incitação ao consumismo fazem com que os mais pobres percebam sua posição e desvendem a mentira do discurso, permitindo o surgimento de variáveis ascendentes (que se impõem) e levando à desobediência. Assim, são postos limites à racionalidade dominante.

Desvendada a mentira, percebe-se que a imperatividade e unicidade da técnica não existem e não são possíveis porque as técnicas têm que guardar relação com o lugar que serão aplicadas. A política, no entanto, pode ser imperativa e até permitir a técnica única.

A vida cotidiana se opõe à técnica do just-in-time, porque respeita as diferenças e cresce com elas. As múltiplas formas do cotidiano são uma heterogeneidade criadora.

Com a produção hegemônica de necessidades e a incorporação de modos de vida também hegemônicos são criadas duas situações distintas: a escassez dos ricos, que quanto mais consomem, mais sentem necessidade de consumir, ficando em permanente estado de escassez. Cria-se a rotina da falta de satisfação – comprar um bom vídeo cassete não basta, então compra-se um DVD, que também não basta, e compra-se um home theater, que acaba sendo grande demais para a sala; então, faz-se uma sala maior e aí por diante.

A escassez dos pobres é diferente, mas tem melhores frutos. Como não conseguem e talvez nunca conseguirão consumir, por esse mesmo sentimento de escassez passam a buscar bens imateriais e infinitos, como a solidariedade, por exemplo. A escassez do pobre leva a novas descobertas e ao entendimento do mundo.

Mas a pobreza não pode chegar à miséria, que aniquila. A pobreza é ativadora de lutas e leva à tomada de consciência. Elabora-se assim a política dos de baixo, alimentada pela necessidade de existir e pela desilusão das demandas não satisfeitas. Parte-se para a rebeldia.

Os movimentos organizados, por sua vez, devem imitar o cotidiano dessas pessoas para se tornarem perceptíveis. Os partidos devem ser o espelho de seus eleitores.

A questão da classe média também é interessante. Ela teve seu apogeu e agora sente de perto a crise: antes era a maior beneficiária do crescimento econômico, mas agora não tem a força política de antigamente e sente a escassez e a insegurança de perto. Num primeiro plano começa a lutar por vantagens individuais que, com a tomada de consciência, tornam-se sociais e se identificam com os clamores dos pobres. Passam a ter a função de implantar a democracia forçando o ideário e as práticas políticas.

A transição em marcha

Milton Santos observa duas conseqüências da evolução causada pela escassez: a primeira é a nova significação da cultura popular e a outra é a produção de condições empíricas para a emergência das massas populares.

Nota-se uma contraposição entre a cultura de massas e a cultura popular. A primeira tenta se impor mas é obstada pela cultura popular, que se difunde à medida que a escassez faz nascer os regionalismos. Como o povo não dispõe dos meios para participar da cultura de massas (turismo, por exemplo), cria no trabalho e no cotidiano sua cultura popular, numa aliança da espontaneidade à ingenuidade.

Como condições empíricas, ressalta-se a mudança da divisão do trabalho por cima e por baixo. A primeira é a da globalização perversa e obedece a técnicas de racionalidade hegemônica. A divisão por baixo produz solidariedade dependente unicamente dos vetores horizontais do território e da cultura local.

Na transição para a globalização includente, o homem passa a ser o centro; relega-se a um segundo plano a importância do mercado e do dinheiro em estado puro. Busca-se garantir o mínimo para a satisfação das necessidades de uma vida digna, abolindo a regra de competitividade e adotando a da solidariedade.

O povo perceberá também que os mercados comuns são representativos apenas dos interesses das grandes potências. A “cooperação” (Alca e Mercosul) é interesseira. Tomará consciência de que é terceiro mundo e vai rever os pactos globalitários.

Outro dado é a crescente desordem da vida social, que permite antever a queda do modelo econômico globalitário. Apesar de as potências perceberem esta desordem e buscarem contorná-la, a sociedade ainda assim se mantém desordenada, porque o modelo é insustentável. A solução acaba sendo simples: as populações que não podem consumir o ocidente globalizado recusam a globalização.

Milton Santos dá um conceito de nação ativa e passiva: a primeira seria, na visão globalizante, a nação que obedece aos desígnios externos produzindo ideologia. A passiva é residual, é o que não é ativa. Trabalha com o intelectual público que vive uma contradição: é obrigado a se conformar em suas atividades com a racionalidade hegemônica, mesmo estando insatisfeitos e inconformados. A vantagem é que a nação passiva é fortemente ligada ao cotidiano, tendo base mais sólida, de modo que, com a maioria a seu lado, é possível pôr em prática seus projetos de nação.

O papel dos intelectuais nesse processo é mostrar analiticamente as manifestações de luta e de resistência à hegemonia dominante, permitindo que essa visão seja utilizada pela sociedade como elemento de postulação de uma outra política social (p. 158). O choque das realidades tem papel importante na mudança.

A globalização atual não é irreversível e, aliás, já se mostra presente uma dissolução das ideologias, levada a cabo pelo choque das realidades com as ideologias. (p. 159)

O futuro se dará de acordo com as escolhas feitas sobre dois valores: os essenciais ao homem, como a liberdade e a dignidade; e os valores contingentes (incertos), ou seja, eventuais da história de determinado momento. Da conjugação entre essas duas classes de valores é que nascerá a sociedade futura.

A mudança já é visível porque a ideologia perde a sustentação, já que ninguém consegue consumir o que existe em oferta. É preciso uma nova ideologia, que dê valor ao trabalho de baixo, verdadeiro motor para o alcance do futuro.

O computador acaba sendo uma boa ferramenta para a mudança, porque não requer grande investimento e se dissemina rapidamente no corpo social.

A aglomerações humanas permitirão maior identificação das situações e observarão o peso da cultura popular. A própria mídia atentará para o fato de que a população não é homogênea e, portanto, será obrigada a deixar de representar o senso comum imposto pelo pensamento único.

Para formar um novo mundo, é preciso também consciência individual, que inicia com a descoberta, passa pela visão sistêmica e culmina com a discussão interior e o debate público, que permite enxergar os porquês. Essa consciência do “ser mundo” permite superar o endeusamento do dinheiro e enfrentar uma nova trajetória.

A política terá também grande papel, mas deve aproveitar as atuais técnicas hegemônicas e dar a elas novo uso e nova significação.

Resumo: SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 5. ed. Rio de Janeiro : Record, 2001.

Eduardo Sens dos Santos eduardo_sens@yahoo.com

http://pt.scribd.com/doc/37043922/Por-uma-outra-globalizacao-milton-santos
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