Quando criança, eu tinha a sensação que o mundo era um grande parque de diversões: a vassoura, um lindo cavalo de carrossel que corria, corria, corria, mas não chegava a lugar nenhum; as árvores eram como paus-de-sebo, onde eu fazia um imenso esforço, para depois de tê-lo escalado poder ser recompensada com prêmios saborosíssimos, que não eram apenas os frutos colhidos, mas principalmente a corrida que tínhamos que dar para fugir do vizinho que nos ameaçava, sem nenhum intento de cumprir a ameaça; a preparação para dormir era como entrar em um trem fantasma, cada estória de terror que nos era contada nos excitava tanto que, ao corpo cansado e apavorado, só restava dormir.
Já na juventude, o mundo me parecia uma praça de guerra. Éramos “senhores do mundo”. Cheios de certezas e convicções, nós tínhamos muitas coisas para consertar, então nos reuníamos solenes para projetar as mudanças desejadas: os problemas dos transportes coletivos, que permanecem até hoje (imaginem: naquela época eram os bondes!); as cabeças de nossos mais velhos que, é lógico, serão sempre ultrapassadas para os jovens de qualquer época… Somos todos revolucionários na juventude, afinal os hormônios de nossos corpos estão em revolução.
A maturidade chega, e o mundo fica parecendo um hospício, com muitos loucos e poucos, pouquíssimos, médicos e enfermeiros: é uma corrida incessante sem nenhum objetivo aparente a ser alcançado; um sentimento de perseguição, que mais parece uma grande alucinação coletiva (muitos, muitos mesmo, costumam dizer que estão sendo vítimas de inveja, injustiças, incompreensões e até feitiços); o poder sobre os outros querendo ultrapassar o poder sobre si mesmo (muitos, muitos mesmo, querem comandar, mas não aceitam serem comandados). Um mundo cheio de mestres, repletos de “sábios” para ensinar e carentes de discípulos para aprender. É um hospício com muita gente para ser cuidada e pouca querendo cuidar.
Quando a maturidade chega, o mundo também se assemelha a uma creche, com muitas crianças e poucos, pouquíssimos adultos: crianças que fazem “birra” e desejam que a vida transcorra de acordo com seus desejos; que se apegam aos “brinquedinhos” que possuem, esquecendo-se que o gostoso é estar sempre aberto para novos “brinquedos” (que, como mandam os órgãos de proteção ao consumidor, devem ser sempre de acordo com a idade do usuário).
Entretanto, quando a fundamental, mas não tão desejada, velhice chega, o mundo deixa de ser tudo isso e passa a ser um divertido circo. Somos palhaços e precisamos rir e fazer os outros rirem, pois para a maioria dos problemas humanos de nada adianta chorar; tem os trapezistas que se arriscam e os outros que utilizam sua grande força física e mental para segurar aqueles que, por instinto ou necessidade de destino, precisam “jogar-se”, independentemente do risco que corram; tem o globo da morte, lembrando-nos a inevitável certeza da vida; tem os equilibristas que, com os braços levantados como se quisessem alcançar o céu, nos ensinam que para alcançarmos um estado de descanso, diminuindo a instabilidade que tanto gera desarmonia física e mental, é preciso igualar as forças opostas existentes em nós.
Somos todos equilibristas andando na corda bamba da vida. Somos instáveis por natureza. E como manter-se em equilíbrio é muito difícil, melhor pedir uma ajudinha aos deuses, cantando: Igbãni bàbà, igbãni yèyè, ibà pa ràn tán asô dá mã aro, a fi dà wa rá àÿç êkö ma Oriÿá, Oriÿá wa baba alaye = Pai ancestral, mãezinha ancestral, apague o fogo, o calor que se alastra, termine com as muitas discussões e tristezas criadas, nós somos instáveis, transforme-nos, imploramos sempre pelas suas instruções, sua doutrina Orixá, seja nosso mestre, o dono de nosso modo de viver.
Pedir socorro aos deuses é importante, mas precisamos fazer a nossa parte: aprendendo a focar o olhar em um único ponto, concentrando e energizando o centro de nosso corpo – o abdômen – e, principalmente, aprendendo a dobrar sempre os joelhos (em todos sentidos falando) para que os pés fiquem bem plantados.
Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. Quinzenalmente, ela escreve em A TARDE, sempre às quartas-feiras
Já na juventude, o mundo me parecia uma praça de guerra. Éramos “senhores do mundo”. Cheios de certezas e convicções, nós tínhamos muitas coisas para consertar, então nos reuníamos solenes para projetar as mudanças desejadas: os problemas dos transportes coletivos, que permanecem até hoje (imaginem: naquela época eram os bondes!); as cabeças de nossos mais velhos que, é lógico, serão sempre ultrapassadas para os jovens de qualquer época… Somos todos revolucionários na juventude, afinal os hormônios de nossos corpos estão em revolução.
A maturidade chega, e o mundo fica parecendo um hospício, com muitos loucos e poucos, pouquíssimos, médicos e enfermeiros: é uma corrida incessante sem nenhum objetivo aparente a ser alcançado; um sentimento de perseguição, que mais parece uma grande alucinação coletiva (muitos, muitos mesmo, costumam dizer que estão sendo vítimas de inveja, injustiças, incompreensões e até feitiços); o poder sobre os outros querendo ultrapassar o poder sobre si mesmo (muitos, muitos mesmo, querem comandar, mas não aceitam serem comandados). Um mundo cheio de mestres, repletos de “sábios” para ensinar e carentes de discípulos para aprender. É um hospício com muita gente para ser cuidada e pouca querendo cuidar.
Quando a maturidade chega, o mundo também se assemelha a uma creche, com muitas crianças e poucos, pouquíssimos adultos: crianças que fazem “birra” e desejam que a vida transcorra de acordo com seus desejos; que se apegam aos “brinquedinhos” que possuem, esquecendo-se que o gostoso é estar sempre aberto para novos “brinquedos” (que, como mandam os órgãos de proteção ao consumidor, devem ser sempre de acordo com a idade do usuário).
Entretanto, quando a fundamental, mas não tão desejada, velhice chega, o mundo deixa de ser tudo isso e passa a ser um divertido circo. Somos palhaços e precisamos rir e fazer os outros rirem, pois para a maioria dos problemas humanos de nada adianta chorar; tem os trapezistas que se arriscam e os outros que utilizam sua grande força física e mental para segurar aqueles que, por instinto ou necessidade de destino, precisam “jogar-se”, independentemente do risco que corram; tem o globo da morte, lembrando-nos a inevitável certeza da vida; tem os equilibristas que, com os braços levantados como se quisessem alcançar o céu, nos ensinam que para alcançarmos um estado de descanso, diminuindo a instabilidade que tanto gera desarmonia física e mental, é preciso igualar as forças opostas existentes em nós.
Somos todos equilibristas andando na corda bamba da vida. Somos instáveis por natureza. E como manter-se em equilíbrio é muito difícil, melhor pedir uma ajudinha aos deuses, cantando: Igbãni bàbà, igbãni yèyè, ibà pa ràn tán asô dá mã aro, a fi dà wa rá àÿç êkö ma Oriÿá, Oriÿá wa baba alaye = Pai ancestral, mãezinha ancestral, apague o fogo, o calor que se alastra, termine com as muitas discussões e tristezas criadas, nós somos instáveis, transforme-nos, imploramos sempre pelas suas instruções, sua doutrina Orixá, seja nosso mestre, o dono de nosso modo de viver.
Pedir socorro aos deuses é importante, mas precisamos fazer a nossa parte: aprendendo a focar o olhar em um único ponto, concentrando e energizando o centro de nosso corpo – o abdômen – e, principalmente, aprendendo a dobrar sempre os joelhos (em todos sentidos falando) para que os pés fiquem bem plantados.
Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. Quinzenalmente, ela escreve em A TARDE, sempre às quartas-feiras
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